domingo, 23 de agosto de 2015

"O Pequeno Príncipe", um filme para adultos

Antes de mais nada, uma advertência: talvez eu vá escrever demais.

Quando eu tinha oito anos, nove, talvez, minha mãe trabalhava em um consultório médico e, num belo dia, presenteou-me com um exemplar de "O Pequeno Príncipe". Não era um livro novo; a capa já estava amassada, as páginas tinham "orelhas". Um paciente o havia esquecido na sala de espera e mamãe, sorrateira que só, o levou para casa.

Li, gostei da história, me encantei com a amizade entre o príncipe e a raposa, mas nada tão avassalador. Anos mais tarde, uma professora me pediu que emprestasse a ela o bendito livro. E lá foi ele - para nunca mais voltar às minhas mãos. Um dia queixei-me disso com a mamãe, afinal, eu havia criado um carinho especial por aquele presente que ela tinha me dado. Eis a resposta dela à minha reclamação: "Esse é o destino do Pequeno Príncipe. Ele não pode ficar nas mãos de um só. Ele é livre". Nunca me esqueci.

O tempo passou, a vida seguiu, e em meados de 2011 "O pequeno Príncipe" voltou à minha cabeceira. Desta vez, dado por minha tia Márcia, de São Luís. Ela havia procurado uma edição especial, rara, mas não encontrou. Então enviou-me um livro novinho, com uma dedicatória que, entre outras coisas, desejava que eu jamais perdesse a pureza da infância (e nessa época eu já tinha uns 26 anos...).

Vira a página. Agora está em cartaz nos cinemas uma versão da história de Antoine de Saint-Exupery. É uma animação que mescla desenho "tipo antigo" (desculpem-me, os críticos, não sei os termos certos!) e computação. E em vez de nos apresentar, de cara, o príncipe viajante que deixou seu asteroide para afastar-se de uma rosa egocêntrica, o filme nos brinda com uma garotinha criada por uma mãe extremamente rígida, que impõe a ela "um plano de vida" que inclui horários para tudo - tempo para um "novo amigo" só no próximo verão, e se tudo de essencial for cumprido antes.

Confesso: saí do cinema emudecido. Não porque vi, enfim, o príncipe de cabelos dourados saído das páginas que já li tantas vezes, mas porque todas as metáforas e mensagens do livro foram preservadas e - até ouso dizer - melhoradas. Ali na telona está claro o quanto a gente perde de brilho, de sonhos, por crescer. Por se enfiar em escritórios, como "um grande homem de negócios" e não ver mais as estrelas.

E o que dizer dessa geração de crianças que aí está, tão cobrada por resultados, conquistas, sucesso? Não, gente... não é só coisa de cinema! Minhas sobrinhas mesmo, que têm entre 6 e 11 anos, já vivem essa doideira que é dar conta de mil-coisas-ao-mesmo-tempo. Acho que nunca as vi brincando de pique-esconde, ou de fazer cabaninha no quintal. No filme, a protagonista só descobre o que são esses pequenos prazeres ao se tornar vizinha de um velhinho - que vem a ser o aviador que caiu no deserto do Saara e que narra a história do Pequeno Príncipe.

Nos dias de hoje ser pequeno parece uma ofensa à "adultização" que é tão cobrada. E aí a gente esbarra com um monte de gente que tem metas de vida, planos audaciosos, mas que nunca enxergou as rosas e as raposas que estão ao lado. É triste constatar que ser "inteiramente igual a cem mil outros garotos" está se tornando regra, e ninguém parece preocupado em cativar ninguém. 

"Se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro", ensina a raposa. E quantos de nós não têm medo de necessitar de outrem, já que temos tantos afazeres, tantas metas a bater, tantos boletos a pagar? Gostar, afeiçoar-se, importar-se tem se tornado artigo secundário, e cada vez mais as pessoas se assemelham aos monarcas e aos vaidosos com os quais o principezinho se deparou em sua viagem intergalática.

Não sou nenhum crítico de cinema (longe disso!), mas acho que o grande trunfo da adaptação do livro para as telonas é essa "chacoalhada" à qual o espectador é submetido, ao ser lembrado de que crescer é inevitável, mas esquecer-se das coisas simples da vida esconde um grande risco à felicidade. Definitivamente, "O Pequeno Príncipe" não é um filme infantil. É, sobretudo, para os adultos - e para as crianças que (ainda) existem dentro de cada um. 

Como bem ensinou a raposa ao Pequeno Príncipe, antes de se despedirem, e já tendo cativado um ao outro, "Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos". Talvez por isso - e só por isso - eu ainda consiga ouvir as gargalhadas gostosas de mamãe e de tia Márcia, que passaram a habitar algumas dessas estrelas do céu.