sábado, 28 de abril de 2012

Medo de viver

Enquanto trabalhava, hoje pela manhã, ouvi uma frase muito boa, que me foi dita pela chefe e amiga Andréia Lopes: "- Na vida, se a gente tiver medo, não faz nada". Andréia não é a autora da frase e também a escutou de alguém com mais experiência de vida, mas, poxa, acho que era justamente sobre isso que eu precisava refletir.

Por que a gente deixa de dar um passo por simples e inexplicado receio? Quando olho para trás, vejo que um dos meus primeiros medos foi de tirar sangue. E eram inúmeras as vezes que eu tinha que encarar a agulha por problemas de saúde. Na década de 90, quando fiquei um ano internado no Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio, tinha que coletar sangue dia sim, dia não. As manhãs começavam com martírio e medo. Muito medo.

Depois, veio o medo de andar de bicicleta - e desse aposto que muitas pessoas sofreram. Abandonar as rodinhas do eixo traseiro foi difícil, eu não conseguia me equilibrar e ralhava comigo pelo fato de os colegas da rua, todos, já conseguirem guiar uma "magrela" por conta própria. Anos depois, meu medo foi o de encarar um aro 18 e cair como jaca no chão (e caí!).

Houve o medo de tirar zero, de não passar de ano, de decepcionar minha avó, de nunca perder os quilos a mais das férias, de não conseguir estágio, de não ser contratado na empresa, de amar e não ser correspondido, de não conseguir dinheiro para pagar a fatura do cartão de crédito... medos diferentes, em momentos distintos, mas que - veja só! - passaram pelo simples motivo de terem sido encarados.

Muita gente por aí tem medo da vida e se tranca em si. Na minha opinião, este é o pior dos castigos, porque se mutilam da própria história fatos que nunca existiram. Substitui-se o risco do fracasso pela dúvida insanável. E ter medo é o de menos: dá pra fechar os olhos, pensar três vezes, aproveitar uma centelha de coragem e ir adiante.

Se eu nunca tivesse tirado sangue, jamais detectaria anemias e infecções que foram tratadas. Se não pedalasse, jamais teria descoberto o prazer do vento no rosto, a sensação de liberdade de ver o mundo passando mais rápido por mim. Os zeros que tirei... ah, doeram, é verdade, mas hoje rio deles. E rio até mais quando me lembro que por não passar de ano por dois anos seguidos em Matemática, no Cefetes, acabei com a matrícula cancelada.

Já tive que pagar juros pela fatura do cartão de crédito atrasada, já tive que trabalhar como assessor por não ter sido contratado onde eu queria, vivo numa eterna luta contra a balança e, como não sou perfeito, também já tive minhas paixões e amores equivocados. Não deixei de chorar, não deixei de sorrir, não deixei de ter medo, é claro. 

Mas também não vou deixar de viver.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Contadores de histórias

A despeito de todas as críticas e patrulhas ideológicas de todos os dias, o jornalista é, antes de tudo, um contador de histórias. Não de contos de fadas, onde as pessoas andam por vales verdejantes, com pássaros, borboletas, príncipes e sapatinhos de cristal. O jornalista escreve histórias corriqueiras, de encontros, desencontros, muitas lágrimas e também muitos risos.

Ser um contador de histórias requer mais que imaginação ou inspiração. É preciso olhar com cautela, com o mínimo de sensibilidade. Nossos personagens não dormem à espera do beijo de amor verdadeiro, não têm sete anões como amigos, tampouco tranças gigantes para fugir de castelos. Falar de gente de carne e osso é difícil.

Esta semana, em especial, li e escrevi histórias que pouco deviam a enredos fictícios. Acompanhei a tragédia de um povo analfabeto, sem postos de saúde adequados, sem estradas pavimentadas que viu seu chefe ir parar atrás das grades por desviar royalties de petróleo que poderiam fazer de sua cidade a mais rica e próspera do Estado.

Escrevi sobre a "ambiciosa" mulher que em 24 horas do dia, ocupava a Secretaria de Educação, a de Habitação e a de Assistência Social. Sobrinha do prefeito - acusado de chefiar uma quadrilha - ela não repetia roupas para trabalhar. Como uma verdadeira abelha rainha, mandava e desmandava no dinheiro do povo e no interesse de empreiteiros, políticos e aliados que formavam um enxame de corrupção.

Por fim, sofri com a angústia de cinco jovens que desapareceram misteriosamente rumo à Bahia. Isadora, Rosaflor, Marllon, Amanda e André deixaram o Norte do Espírito Santo para uma celebração de vida. Por quatro dias, seu desaparecimento transformou a vida de toda a população em angústia. Interrogações infinitas. Onde estariam? Por que não davam notícias? As correntes de oração se espalhavam pelas redes sociais enquanto as autoridades tentavam - por terra, água e ar - encontrá-los.

A espera não teve final feliz. Os protagonistas da história foram encontrados, há poucas horas, submersos em um rio no Sul da Bahia. Talvez jamais saibamos o que aconteceu nessa história. Do que falavam, o que ouviam, como despediram-se da vida? Não consigo imaginar a dor da mãe de Isadora, que comemoraria aniversário no dia da viagem sem volta da filha. Dói só pensar na angústia, na dor, nas respostas que jamais serão respondidas e significarão, para essas famílias, eternas lacunas.

O jornalista, como eu disse, é um escritor de histórias. Mas foge ao nosso controle o início, o meio e o fim dos enredos; mocinhos, vilões, bruxas e fadas confundem-se. Às vezes, em questão de horas, oscilamos do drama ao êxtase do ser humano. Para nossa frustração como autores, nem sempre é possível terminar a história com "viveram felizes para sempre". E, muitas vezes, terminamos nós, tristes, com o desfecho das histórias que contamos.

Que descansem em paz, Isadora, Rosaflor, Marllon, Amanda e André.

domingo, 22 de abril de 2012

Almas calejadas

Sabe sapato novo, que logo que você calça, pega um pouquinho ali, aperta um "cadinho" lá, tira uma casquinha acolá? Acho que ocorre o mesmo com a alma da gente. A cada novo relacionamento - e lá vem chavão! - aprendemos um pouquinho sobre como "encaixar melhor". E não estou falando de sexo.

O primeiro namoro geralmente é o All Star. Todo mundo tem um em alguma época da vida. É simples, inspira atitude,  cai bem com qualquer coisa. No primeiro namoro, a gente se contenta com idas à sorveteria, ao cinema, acha o jeans+camiseta a mais bonita das produções. Mas sabe como é All Star, né? Machuca pra caramba, demora a "pegar o jeito". Se você exagera no sentimentalismo, se qualquer coisinha te incomoda, pode ser motivo para deixá-lo no armário.

Depois vem a fase do Mizuno, ou do Adidas. A gente começa a buscar algo que seja simples, mas que ofereça conforto. Que mostre para quem nos olha que "- Oi, eu estou por cima, olha só!". Superar a época anterior, do amor simples e ingênuo que deixou marcas exige paciência e, por diversas vezes, queremos só ver vitrine em busca do modelo ideal. 

E essa busca pelo diferente, pelo novo, exótico, caro, bonito, gostoso, arrojado, glamuroso e confortável vai nos calejando. À medida que as histórias vão acontecendo, que gastamos sola de sapato atrás desse modelo de perfeição, a alma vai amadurecendo, aprendendo onde é preciso encolher os dedos, quando é possível pisar mais firme, em que terreno pode-se saltar sem medo de romper as articulações.

A cada mudança, um novo calo. Em cada calo - seja nos dedos, seja na alma - criamos, para nós mesmos, motivos e barreiras para não nos machucar mais. "- Não quero mais quem me proíba de sair"; "- Não aceito que me deem ordens"; "- Jamais admitirei um namoro com quem não trabalhe"; "- Quero alguém com foco e conteúdo". E quer saber? Deixamos de experimentar algo que nos afague e proteja pelo simples medo de machucar aquela ferida mal curada.

Só tem um detalhe, que é preciso não esquecer: pessoas não são sapatos. Portanto, não dá para pensar que elas ficarão para sempre em uma prateleira à espera do dono perfeito; tampouco acreditar que, uma vez descartadas, não encontrarão mais ninguém para caminhar junto nessas vielas tortas e misteriosas da vida a dois.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Velhice é melhor idade para quem?

Tenho protelado, há algumas semanas, minha volta ao blog. Às vezes até vem alguma "luz" para escrever, mas no geral tenho estado melancólico, como se pensasse constantemente nos rumos que estou dando à minha vida. Trabalho demais? Estudo de menos? Penso demais nos outros e pouco em mim ou seria o contrário? Perguntas sem respostas. Aliás, respostas existem, mas não quero admití-las.

Em parte, todos os meus pensamentos melancólicos e bucólicos levam a uma única figura: vovó Santa. Já falei dela algumas vezes por aqui, mas talvez nunca com detalhes. Vovó é mãe da minha mãe e, desde que me entendo como gente, é também minha mãe. Quando nasci, lá em Belém do Pará, sem esfôfago, prematuro e cheio de recomendações médicas, vovó logo foi cuidar de mim. Era ela quem me alimentava pela sonda que havia no meu abdome, que dormia sentada abraçada a mim quando ardia em febre madrugadas a dentro. Era vovó que me acompanhava às visitas médicas.

É da vovó que me lembro ao meu lado na missa, quando aprendi, sozinho, a rezar a Ave-Maria. Era ela quem me levava de mãos dadas à escola e que brigava por mim quando (às vezes merecidamente) a professora me repreendia por algo. Como minha mãe sempre foi um espírito livre, que não se sentia confortável às amarras da maternidade, vovó Santa sempre assumiu esse papel... e é como sempre a vi. Doce, presente, sentimental, superprotetora (até demais).

O tempo passou e eu cresci. Com a idade, vovó encolheu (não tem nem 1,5 metro, coitada!). Vieram as preocupações médicas. Dois stents no coração, uma dezena de remédios, cuidados com tireoide, com o sono, com a memória. Em outubro de 2009, celebramos os 80 anos da vovó com uma grande festa em Colatina. Filhos, netos, bisnetos... todos reunidos. Pegamos ela de surpresa com bolo, faixa, churrasco. Uma festança gostosa, com direito a pasta de mensagens assinadas por cada um de nós - inclusive os netos "adotivos" (meus amigos, inclusive).

No mês de março seguinte, mamãe se foi, e vovó nunca mais foi a mesma. Há dois anos, acompanho vovó cada vez mais distante daquilo que sempre foi. Não há mais aquela vaidade de antes. A memória apaga algumas passagens, a fala parece cada vez mais baixa e lenta. O processo parece ter se acelerado de dezembro para cá, quando nos mudamos de apartamento. Vovó saiu "do canto dela" e até hoje parece relutar à nova casa.

Temos ido mais a Colatina. É como se algo me dissesse para aproveitar mais o tempo ao lado dela, levando-a mais para perto da família. Tento, do meu jeito, consertar elos que lá atrás ficaram desgastados; ao mesmo tempo, gostaria de ter mais gente por perto para ver se vovó reage a esse momento, se algo nela consegue ser maior e mais forte que a tristeza de ter perdido uma filha sem ter podido dizer adeus. Parecem tentativas em vão.

Aí pergunto: quem inventou a expressão "melhor idade" para definir a velhice sabia o que é ser velho? Certamente essa pessoa não havia chegado aos 80 anos. Me perdoem os entusiastas da ideia, mas o passar do tempo só faz acumular rugas e dispersar a vitalidade da juventude. Dói para quem envelhece e machuca, ainda mais, quem está por perto e não se preparou para encarar a brevidade da vida. Porque dizer "adeus" não é "melhor" para ninguém.

PS * A propósito, hoje, dia 09/04, completo 1 ano de "Fachettoides".