sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Os irmãos que a gente escolhe

Pode ser aquele colega de sala que tinha uma lancheira bonita. Pode ser a menina mais bonita da escola, ou até mesmo aquele vizinho ruivo e cheio de pintinhas que sempre te chamava no portão para jogar bola. Talvez suas lembranças te remetam àquela turma que saía pelas ruas apertando as campainhas e correndo em disparada, ou, ainda, à garota que você detestava e que, com o tempo, aprendeu a admirar. De uma coisa eu não tenho dúvida: todos nós temos, no baú das lembranças e dos sentimentos, algum amigo que inevitavelmente faz parte das histórias que, relembradas, fazem sorrir com brilho nos olhos.

Eu também tenho os meus, e costumo chamá-los de "irmãos de alma e de coração". Porque não são meros amigos com quem dividi histórias. São pessoas que me viram crescer, e as quais eu também vi crescer. Loreny, Roger, Valeska... os irmãos que o tempo e a convivência me permitiram escolher. Irmãos mesmo, daqueles que brigam, que fazem bico, que puxam a orelha, que riem juntos. Amigos que fazem parte da minha trajetória. Hoje resolvi falar deles.
Primeiro, Valeska. A "Valeskinha". Mineira de Patos de Minas, chegou à Escola São José, onde já estudávamos eu, Loreny e Roger, em 1999. Tímida, calada, cara de desconfiada. Passamos a 7ª série toda sem conversar direito. Eu era o reizinho mandão da escola. Sabe como é... era sobrinho da diretora, primo da coordenadora... eu me achava o máximo. E, anos mais tarde, Valeska confidenciou-me que me detestava. No ano seguinte, nos aproximamos. Sentávamos perto na sala de aula (e justamente nessa época, eu não conversava com o Roger) e tagarelávamos o tempo todo. Época boa...
Loreny, por sua vez, sempre foi a inteligente da turma. Filha exemplar, responsável, estudiosa. Linda por dentro e por fora, é de longe a mais centrada de nós. Foi a primeira menina com quem dancei quadrilha quando me mudei para Colatina, e ela jura até hoje que queria morrer por isso e que eu pisava no pé dela. Pura mentira! Bem, os anos se passaram e eu não só adotei Loreny como irmã de alma, como sua família também me é muito querida. Tia Tânia, mãe dela, tantas vezes nos aturou em longos bate-papos na copa, à base de suco de caju. Outras vezes, íamos para a casa da Valeska nos deliciar com os bolos maravilhosos da vovó Faninha.
Roger é um caso à parte. É o irmão problemático. Na infância, brigávamos muito. Havia uma disputa interna entre nós que só foi vencida lá pelos anos 2000 ou 2002. Certa vez, eu cheguei a gritar a célebre frase: "- Te pego na saída da escola!!" anunciando minha ira. Não, não bati no Roger. Nem ele em mim. Mas esse amigo sempre foi tão diferente de mim que, por ironia do destino, vejo nele um bom contraponto aos meus excessos de lucidez. Roger sempre foi lunático por natureza, mais atrevido. Vencidas as barreiras entre nós, passamos a nos entender. Ainda bem!

Vi Loreny, Valeska e Roger crescerem. Bem da verdade, Roger não é tão proximo das duas, embora tenhamos todos estudado juntos em certa época. Com Valeska e Loreny, não há limites para as conversas. É pros braços delas que eu corro quando quero ajuda, quando preciso de conselhos, quando quero contar a última novidade. É ao Roger que recorro quando os devaneios me afligem, quando alguma notícia bombástica chega, quando preciso de uma conversa séria e, ao mesmo tempo, engraçada.

Vi Roger se formar em Ciências Biológicas em 2009. Valeska, no ano seguinte, tornou-se engenheira metalurgista. E, logo mais, estarei eu, lá em Minas Gerais, gritando pela vitória de Loreny, que se forma em Direito. Porque com os irmãos da gente é assim: vale correr contra o tempo, vale perder-se nas horas, vale não medir esforços para estar junto. Não há distância, não há separação, não há cobrança. O que existe entre nós é mais forte que o útero que nos separou. Nascemos uns para os outros. Para sempre!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Apegos & Desapegos

Palavra recorrente nas redes sociais: desapego. Perdi as contas de quantas vezes a li, escrita por amigos, familiares, conhecidos. Invariavelmente, colocada da seguinte forma: "- Vou praticar o desapego". Ou, para os menos enfáticos, "- Preciso aprender a praticar o desapego". Tenho certeza que não estou sozinho nesse voyeurismo dos desapegados virtuais.

Eu até gostaria de ser mais desapegado. Dos meus livros de infância, de brinquedos que guardo sobre o guarda-roupa, de camisetas e bermudas que não cabem mais e insisto em manter nos cabides. Queria desapegar da minha velha TV Xuxa Cineral, que há pouco completou 15 anos; de sapatos e tênis surrados que insistem em ser confortáveis. Disso sim, dá pra desapegar.

Mas daí a dizer que quero desapegar de gente, não, não dá. Posso estar mais distante, telefonar menos, passar semanas (até meses) sem dar notícias. Mas de gente que eu gosto, não desapego. Mesmo que me faça raiva, que me irrite, que de uma hora para a outra eu a deseje morta. Desapegar? Não, isso já é demais! Preciso da chama que elas me acendem (por amor ou por ódio), aqui no peito, mesmo que em invernos de relacionamento mais pareça uma fagulha em meio à lenha já ardida.

Essa história de "praticar desapego" não tem fundamento. Primeiro, porque - penso eu! - se você chega a externar esse desejo de não apegar-se a alguém, ao mesmo tempo está mandando um recado claro: há algo que lhe incomoda, mas mesmo assim o afeto é maior. Ao bradar ao vento esse desejo de romper o elo, o desejo íntimo é, mais e mais, que o elo se fortaleça. Que os laços não se rompam. Uma coisa meio psicologia às avessas.

É como dizer "- Te odeio, não me ligue nunca mais" num término apaixonado de namoro. É claro que você quer ver a outra pessoa te telefonando e implorando seu amor! Quem nunca usou dessa tática e depois passou algumas horas agarrado ao celular esperando um sinal de vida? Se o aparelho soa, o mundo revive. Caso contrário, é hora de entrar na fase do rancor, das indagações e do súbito desejo de ver-se livre daquele sentimento. Mas ele está lá, inegavelmente. E essa luta costuma ser longa...

Dizer que vai praticar o desapego é apegar-se às memórias. Àquilo que se cultiva de mais gostoso de uma situação vivida com alguém. E, vai dizer que não?, qualquer pessoa só tenta se livrar do que é bom diante do medo de que a sua lembrança seja esquecida pelo outro lado da história.

No fim, o que se busca não é o desapego. É lembrar àquela pessoa que você ainda existe. Um remédio para o amor próprio.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Por acaso, não mais que isso

Resolvi mudar os hábitos. Acordar cedo, fazer um check-up, ver como anda o coração, o metabolismo, o estômago. É tanto desgosto nesta vida, tantas notícias tristes, tanto corre-corre, que não me surpreenderei se encontrar uma gastritezinha avisando-me que o corpo precisa de atenção. Já na primeira semana de 2012, marquei uma bateria de exames. Acordar cedo... são outros quinhentos.

Num domingo de sol - bem raro, é preciso dizer -, enchi-me de coragem e fui correr no calçadão. Não fazia isso há, sei lá, uns seis ou sete meses. Que delícia! O vento que vem do mar tem outro frescor. Gente bonita caminhando, conversando. Garotas de patins, deslizando sobre o calçadão. Rapazes de skate (às vezes atrapalhando a passagem) desafiando a sorte com manobras. Gente diferente. Hábitos diferentes. Boa música no fone, e lá fui eu.

Ao redor, a cidade vive. E bastou um pouquinho de boa vontade para ver, com um sentimento bom no peito e olhos mais açucarados, que o dia a dia não se resume às tragédias que tenho assistido na TV, ou as dores e traições relatadas nos jornais e revistas. Do lado de fora do aquário existe ar. E ar respirável até mesmo para mim, que em meio à multidão sou de sentir-me um peixe fora d'água.

Passaram-se alguns dias. Retornei à praia, pela manhã. Antes do expediente. Lá estavam as pessoas. Deitadas na areia, conversando, tomando água de coco. Vivendo! Não precisei fazer nada de extraordinário; bastou-me o vaivém das ondas, novamente a brisa e o cansaço dos dias que haviam passado se desfez. A imagem antes turva daqueles dias clareou, como céu no pós-tempestade.

Repeti a dose. Desta vez, acompanhado de uma querida amiga - a Débora, de quem já falei por aqui uma vez. Conversa gostosa, despretensiosa. Umas latinhas para refrescar o calor. Gente bonita na praia. Corpos transpirando saúde e bem estar - sim, eu me senti um tanto deslocado, afinal não estou em dia nem com a dieta, nem com os exercícios (mas deixemos isso de lado!). Falávamos, eu e Débora, de encontros, desencontros, expectativas. Do que passou e do que virá.

Lá pelas tantas, uma frase dela me fez pensar: "- As melhores coisas acontecem quando estamos distraídos". Sim, ela parafraseou alguém e citou o autor, mas perdoem-me, esqueci. Distraído, distraído... há quanto tempo não me dou esse "luxo"? Sempre ligado, multiconectado, preocupado com contas, parentes, projetos, pautas... ufa!

Vou me repensar. Aliás, vou me distrair. Quem sabe, assim, do nada, eu me surpreenda com algo/alguém. Que sejam as jovens que deslizam sobre rodas, que sejam os garotos que movem-se no ar. Que não seja nada disso. Que seja eu... só eu e meus pensamentos. Rir consigo é bom para espantar o tédio.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Gente que irrita

Fila de banco, sem senha. Você lá, pensando no rombo na conta bancária, chega um senhorzinho, daqueles franzinos com todo jeito de que adora puxar assunto. Quem é o escolhido para prosear? Óbvio. E não, não é só um assunto. É uma conversa que vem com toques, com entonações de "- Ah, a Juventina, sabe, a Juventina? Pois é, ela era casada com o filho do primo do vizinho da fazenda. O seu Maneco. Ah, seu Maneco era um homem bom, filho do finado Alcides, neto da Bizantina... mas hein, do que eu estava falando mesmo?". Chegam todas as senhas, menos a sua.

Restaurante. A convite de uma grande amiga, você vai a um jantar para conhecer o novo namorado dela. Você está acima do peso (e reconhece isso!), gastou meia hora pra escolher a camisa que fechasse. Não dá outra: o fulano chega e logo começa a falar mal de gordo. "- Gordo é gordo porque come demais. Você olha pro maldito do gordo e ele está sempre mastigando!". Sujeitinho desagradável, gasta o jantar falando das viagens a Veneza, a Sibéria, à pu... que... p..., mas não é capaz de perceber o festival de saias-justas e constrangimentos que está criando ao redor. O menu? Tanto faz, é melhor cair fora logo.

Festa de família. Você chega pensando em distribuir abraços e carinhos nas pessoas que não vê há tempos e logo quem senta-se ao seu lado? A sogra daquela prima. Aquela infeliz com voz de taquara rachada, que não é da família mas se mete em todos os assuntos que não lhe dizem respeito. E mistura dicas de tosa para cachorros com a receita de pudim de damasco que aprendeu na Ana Maria Braga, passando por curso de corte e costura e, invariavelmente, usa daquele tom estridente pra te indagar, arregalando os olhos: "- Mas juuuura que você não gosta? Ah, eu adoro". O que era para ser um encontro familiar tende a ser um martírio.

Exemplos simples, mas aposto que vocês, caros leitores, já passaram por algo similar (ou conhecem alguém que já passou). Por mais benévola que seja a alma, por mais que os pensamentos sejam santificados, não há saída: tem gente no mundo que veio para irritar. Seja por falar demais, seja por forçar amizade, seja por ter aquele tique nervoso de piscar os olhos repetidamente durante a frase.

Gente que "coça a garganta" num eterno pigarrear; gente que estala o dedo polegar te fazendo sentir calafrios (sempre tenho medo de presenciar uma fratura exposta); gente que masca chicletes fazendo minibolhas e estourando-as sem parar. Por que, meu Deus, por que?!

A lista é ampla: há aqueles que começam todas as frases por "- Então..." - e os derivativos, que terminam toda oração em "- Né?!". Há os que falam alto ao celular dentro do ônibus, os que sentam-se ao seu lado na poltrona do cinema jogando a bolsa sobre seu colo, os que batem palma após o Hino Nacional (eu aprendi que isso é errado!). E os mais-mais-mais no quesito irritação: os que fazem autorreferência na terceira pessoa. Estariam eles possuídos por uma espécie de entidade narradora onisciente?!

Gente que irrita é o que mais tem por aí. Não dá pra evitar, infelizmente. Basta por o pé na rua e elas vêm, em manadas. Resta saber qual delas vai esbarrar em você e transformar alguns minutos do seu dia em incontáveis horas de desprazer. E, não havendo como escapar deste triste destino, o melhor a fazer é respirar, sorrir e, diante da presença não tão ilustre que se força, ser minimalista nas reações: "É", "Que coisa", "Ahã", "Pode ser". Costuma funcionar.

Ah... já ia me esquecendo: também é irritante aquele tipo de gente que se irrita com tudo e tudo critica. Ô povo da língua ferina! Ops... nesse grupo estou eu.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Qual é seu gueto na internet?

Não sou exemplo de conduta nas redes sociais, admito. E vou logo dizendo isso antes que, ali embaixo, alguém venha enumerar as vezes em que mandei indiretas ou escrevi frases desconexas nas plataformas de integração com pessoas na internet. Muitos dos meus "seguidores" e amigos nesses campos, bem da verdade, nunca vi pessoalmente.

A internet sempre me atraiu. Desde os tempos do Terra/Zaz, com aquele barulhinho típico de conexão discada. Noites e noites navegando após a meia noite, para pagar pulso único. E que ódio eu tinha quando precisava falar com algum amigo e o telefone só dava ocupado, durante dias e dias. Mal sabíamos a revolução que estava por vir. Hoje, seja no celular, seja no trabalho, seja em casa, estou conectado 24 horas. Há prós e contras.

Mas não estou afim de escrever sobre a revolução tecnológica. Nem dizer, aqui, do que acho da privatização da telefonia (que, penso, colaborou com esse boom virtual que vivemos, com melhorias e modernização das linhas). O grande "X" da questão é como a internet serve para sermos o que não somos. Complexo? Talvez. Mas diga lá: não é mais fácil mandar aquela indireta, dar aquela espetada em alguém, usando 140 caracteres? Você manda o recado e, se ler algo que não gostou como resposta, finge que não leu.

Tem gente que usa as redes sociais para encarnar o filósofo. Clarice Lispector chora no túmulo, tamanha quantidade de frases de sua autoria espalhadas por aí. Muitas delas, a autora jamais escrevera. Caio F. Abreu, que não faço noção de quem seja, está no páreo. Gente com visão de mundo romântico, de beleza. Dicas para autoestima, para o bem comum. Cachorrinhos e borboletas num mundo de puro sentimento. Será, meu Deus, que as pessoas que só fazem citações vivem neste planeta tão perfeito e emocional? Mandem-me um passaporte, também quero esse lugar de harmonia, onde só há frases bonitas!

Há, nesse universo, os que são contra tudo, contra todos, contra o cosmo e as tendências. Esbravejam dia e noite contra a ingestão da carne, contra o capitalismo, contra os tucanos, contra os petistas, contra o dinheiro, contra o Banco Central. Gente que tem sangue nos olhos ao pensar em FHC, Plano Real, Bovespa. Transformam a "timeline" num campo de socialismo, com toques de comunismo. A qualquer momento, penso que ressuscitarão Che para dominar o mundo. Não sem antes punir Barack, moleque travesso, por estar à frente dos Estados Unidos.

A internet, esse mundo sem regras - "território livre", alguns costumam dizer - é, na verdade, um conglomerado de regras. Todo mundo quer fazer valer a sua. E, decepcionante ou não, nenhuma baliza serve para todos. Há os que choram, há os que filosofam, há os que agridem, há os que dão receita de bolo, há os que vivem seus personagens virtuais e, ao desconectar, têm outra cara.

E, nessa multidão de avatares, nicks e linhas do tempo, estou eu e minhas doses exageradas de sarcasmo; com meus rompantes de indignação com lojas que não atendem bem, com ruas que alagam, com promessas de prefeitos jamais cumpridas. Nesse universo de letras soltas ao vento, serve-se de tudo: de veneno a elixir. Sirvam-se à vontade.