sexta-feira, 15 de abril de 2011

Senhor Tempo

Ele nunca quis ser astronauta. De pequeno, não se lembra de ter sonhado com corridas de Fórmula 1, aventuras no faroeste ou de ter desejado ser artilheiro em partidas de futebol. Também não queria admitir, para si, que era só mais uma criança. Gostava dos colegas, mas se achava "muito maduro para brincadeiras tão bobas". Tinha vontade de sentar na última carteira da sala de aula para atirar bolinhas de papel contra a professora, mas, - "ah, que criancice!".

Desde cedo se cobrava resultados. 9,5 em uma prova era "nota vermelha". Não ganhar medalha de ouro ao fim do bimestre por ter todas as notas máximas seria, no mínimo, uma ferida profunda no ego (e provável motivo de chacota perante os colegas). Ao sair para a escola, encarava o trajeto como se caminhasse para uma grande missão, para sua empresa. Era, por dentro, um grande executivo. E queria crescer.

Na época em que poderia ter "aprendido" a beber, não bebeu. Preferiu ficar de fora das panelinhas dos garotos ávidos pela iniciação sexual. Não comprou o tênis All Star quando este era moda, tampouco se rendeu à febre dos tamagoshis. Queria comprar revistas, coleções de livros, ouvir MPB e, vez ou outra, falar disso com naturalidade, como se fosse habituè do universo adulto.


Viu os anos passarem como se já vivesse o futuro. E chegou onde queria. Cresceu. Cresceu e com a idade vieram as contas de telefone fixo, celular, farmácia, plano de saúde, cursos de idiomas, vale-transporte e supermercado. Teve que se habituar a bater cartão, a responder pelas faltas, a ser cobrado e a controlar as palavras que lhe vinham à mente quando contrariado. Teve que aprender a manusear a pinça para arrancar do couro cabeludo os primeiros cabelos brancos.

Se, quando criança, podia bater nos coleguinhas certo da impunidade escolar, o mesmo já não fazia. Perdeu o tempo do futebol, das aulas de educação física e das brincadeiras de pique-pega, e agora teria que responder por isso: o corpo não tinha o preparo necessário nem sequer para correr atrás do ônibus. Tinha responsabilidades de gente grande, mas no fundo, amargava a dor de ter se negado a ser menino (só que jamais admitiria essa fraqueza).

Já beirava os 30 anos, quando, enfim, parou e olhou o presente. Crianças correndo na praia, bolas de frescobol arremessadas distante, areia jogada para cima por passos velozes entre as ondas e castelinhos desfeitos pela maré faminta. Vendedores de picolé gritando entre as pessoas, cheiro de Sundown sendo espalhado pelo vento, surfistas com o rosto coberto por protetor solar, pessoas se atirando no mar sem pudores, só por prazer. No horizonte, naquela faixa de areia, enxergava um passado que nunca viveu.

Naquela praia, diante de um oceano de lembranças e desejos reconhecidos, começou do zero. Afinal, ainda havia tempo de se tornar astronauta...


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